Holy Motors (2012)
O ganhador do Prêmio da Juventude do Festival de Cannes 2012, "Holy Motors", é um daqules típicos filmes controversos, no qual parcela do público desiste da projeção à medida que a sua busca incessante de explicações para as tramas narradas não são fornecidas. Sempre que me deparo numa situação dessas, penso: "como alguém cria uma obra assim? Será que o filme não diz nada, ou sou eu que fui incapaz de interagir com ele?". Esse exercício de autoreflexão quase sempre traz bons resultados, pois instiga a perseverança na busca pelo real sentido da obra cinematográfica.
"Holy Motors", do ousado diretor francês Leos Carax, requer atenção para as suas inúmeras críticas à sociedade inseridas discretamente num dia do senhor Oscar, bilionário francês com desvios de personalidade. Acompanhado de sua motorista e secretária Céline, o magnata tem uma agenda cheia: são nove compromissos. Cada um deles demandará um diferente lado de Oscar, ou melhor, cada um deles demandará um Oscar diferente.
O roteiro de criatividade ímpar e surpresas muitas é capaz de envolver o espectador, aproveitando-se de sua curiosidade intrínseca. Constantemente nos perguntaremos: "e agora, o que vai acontecer?". Porém nunca seremos capazes de adivinhar os desdobramentos da história. Os nove personagens de Oscar são extremamente originais e bastante críticos.
Começamos com o típico economista, numa limousine ostentativa. Numa conversa ao telefone, ele fala sobre a crise financeira e seus desdobramentos. Está ciente que a sociedade agora condena pessoas como ele, e por isso resolve, junto com seu interlocutor, renovar seu estoque de armas para se proteger do mar de afetados. A seguir, num paralelo interessante, sr. Oscar vai de milionário a uma velha mendiga, ilustrando o outro lado da pirâmide econômica. O fato do personagem ser velho também pode ser interpretado como ataque ao grave problema previdenciário que assola vários Estados do velho mundo. "Há anos e anos, é só o que vejo: pedras e pés".
O próximo personagem foi bastante desafiador, e após insistir muito apenas percebi uma ilustração da banalização das parafernalhas tecnológicas interferindo diretamente em comportamentos humanos que até outrora dispensavam qualquer aparelhagem digital. E depois, a criatura mais icônica: saído dos submundos do esgoto parisiense, eis que brota um ser asqueroso capaz de interpelar a própria noção da arte. Como bônus, há uma preciosa crítica ao extremismo religioso. Uma mulher de vestido decotado tem seu traje rasgado pelo personagem, que utiliza o pano para cobrir o corpo dela, formando algo parecido como uma burca. Muito interessante a figura criada: a mulher de burca é coberta demais em cima, porém descoberta demais embaixo, com suas pernas e genitália à mostra.
O último senhor Oscar que analisarei é aquele que ilustra um pai preocupado com a filha. O que o aflige é a sua menina não significar um atrativo sexual aos meninos de sua idade, e defende que ela se sensualize mais, a ponto de castigá-la por ser contida. É mais um retrato do fim da juventude, uma fase da vida em extinção com a insistência da antecipação da adultez.
Em suma, os diversos personagens do senhor Oscar são instrumento de questionamentos ao modo contemporâneo de vida, e tudo se dá não de forma panfletária, mas com uma sutileza por vezes desafiadora de ser detectada. No entanto, ao passo que cresce o desafio, é diretamente proporcional o nível artístico. Com "Holy Motors", Leos Carax consegue fazer uma obra de arte em forma de cinema. E não se engane: o aparente vazio de sentido esconde muitas interpretações. Não posso acabar a resenha sem destacar a atuação de Denis Lavant, afinal não é difícil imaginar o desafio de um ator interpretar um personagem que, no fundo, não sabe quem é.
Nota: 9,0
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