Metropolis (1927)


Considerado até hoje a maior distopia futurista urbana da história do cinema, "Metropolis" (1927), de Fritz Lang, foi o filme mudo mais caro da história - custou o equivalente a atuais US$ 15 milhões. A produção, marcada por efeitos especiais inovadores para a época, possui algumas cenas memóraveis e muito influenciadoras. É notável a inspiração de Ridley Scott no clássico do expressionismo alemão, em seu filme "Blade Runner" (1982). De forma geral, todos os filmes de ficção científica bebem de alguma forma na fonte de Fritz Lang. No entanto, o futuro abordado em Metropolis não deixava de se assemelhar ao contexto social daquele início do século XX. 

O enredo acompanha a sociedade de Metropolis, uma gigantesca cidade do século XXI governada autocraticamente pelo empresário Joh Fredersen. A pirâmide social da época é tão clara que domina inclusive o espaço geográfico. Enquanto as elites econômicas e sociais habitam a luxuosa e futurista metrópole, nos subterrâneos há um complexo maquinário que suporta a existência festiva dessa burguesia industrial. Abaixo do nível das máquinas, mais profundamente no subsolo, encontram-se as vilas operárias. A classe trabalhadora é grandiosamente mostrada no filme, e para tal efeito foram usados cerca de 36.000 figurantes.

Em todas as partes é possível notar elementos da época pós-segunda revolução industrial: aviões cortam o ar de Metropolis, complexos maquinários com motores a vapor e de combustão interna e aparelhos telefônicos. Porém não apenas as novas invenções desse período estavam no filme: o conflito entre a classe operária e a burguesia industrial é justamente a espinha dorsal da produção. Joh Fredersen acaba por encontrar bilhetes nos bolsos de operários sinalizando que eles andavam se reunindo nos subterrâneos. Ele resolve investigar o motivo dos encontros da massa trabalhadora, e descobre que eles planejavam se rebelar. Eram liderados por Maria, uma jovem que, ao visitar os nobres jardins de Metropolis com uma multidão de maltrapilhos filhos de operários, conhecera o filho do magnata, Freder, e já conquistara a sua admiração. Impossível não visualizar claras referências às ideias de Karl Marx e Friedrich Engels. Inclusive, uma frase de Engels sintetiza de forma eficaz o conteúdo da principal discussão da película de Fritz Lang: "A história da humanidade é a história da luta de classes".

Porém, Lang escolheu outra frase para inserir como epigrama: "O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração!". É possível assumir duas interpretações complementares: primeiramente, que a obra assumirá ares românticos para pregar a solidariedade entre os homens; segundamente, que o diálogo entre a burguesia industrial (a cabeça) e a classe operária (as mãos) deve ser feita de forma compreensiva. O bem-estar universal do ser humano deve ser buscado primordialmente, deixando como considerações secundárias a maximização do lucro e a engorda da mais-valia.

O primeiro clima de tensão do filme é justamente quando da captura de Maria por Joh Fredersen. O autocrata, auxiliado pelo inventor Rotwang, pensa em desmoralizar a figura de Maria frente aos operários. No entanto, Rotwang mostra ao chefe uma novo invento: um Homem-Máquina, robô altamete inteligente e obediente capaz de assumir a forma humana. Seriam os trabalhadores perfeitos. Então, Fredersen tece seu plano de capturar Maria e fazer o robô assumir a sua forma. A nova Maria, ao invés de pregar a organização pacífica dos operários, os incentivaria a adotar medidas ludistas contra as máquinas. Isto é, um quebra-quebra generalizado. Dessa forma, a investida posterior das forças de Metropolis contra os habitantes dos subterrâneos seria justificada. E ainda, a vida no subsolo dependia do bom funcionamento das máquinas - com elas quebradas, seria destruída a cidade dos trabalhadores. Freder é o primeiro a perceber a troca de Maria pelo robô, e concentra as suas forças para desmascarar a fraude frente aos companheiros operários. A atuação da atriz Brigitte Helm como Maria é soberba, principalmente nos contrastes dados à Maria-robô. Sua exagerada dramaticidade, aliada a uma maquiagem carregada, foram como uma personificação da essência do movimento expressionista alemão.

Metropolis discorre sobre o conceito desenvolvimentista, traçando paralelos entre a grande torre de Metropolis e a Torre de Babel. "As mãos que construiram a Torre de Babel não conheciam o sonho da mente que a concebeu" - o caráter divino e majestoso da torre na concepção de seus criadores era, para seus construtores, extremo sofrimento em virtude da exploração física à qual eram submetidos. "As pessoas falavam a mesma língua, mas não conseguiam entender umas às outras" - o desejo das elites em ver seus sonhos concretizados ignorava a força que seria empregada para erigi-los. Tal cenário percorreu a história da humanidade e se repetia na sociedade mecanicista de Metropolis.
 
Com brilhantes metáforas atemporais, a produção de 1927 assusta pela sua genialidade. Um tecido complexo de relações sociais conseguiu ser eficazmente discutido, sem uma palavra ouvida durante os 148 minutos de história. A importância de Metropolis foi tamanha, que a película foi retalhada poucos anos após a estreia, e durante muitos anos aceitou-se o fato de que o Metropolis ao qual tínhamos acesso era apenas 3/4 do filme original. Somente em 2008 foi encontrada em Buenos Aires uma cópia quase completa, com 30 minutos a mais que qualquer outra já conhecida. Um filme tão influente e cercado de preciosas histórias como essa, com certeza é obrigatório. A força desse grande clássico mudo mostra que o poder reflexivo independe da quantidade de palavras: cenas que focam no poder da imagem impactam para sempre a vida de quem as assiste.




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